Quando mulheres reivindicam o direito de decidir sobre sua própria vida, corpo e futuro, elas desejam ser ouvidas. E quando as mulheres não são ouvidas, o que se mostra é a face do machismo que insiste em desacreditar e desvalorizar nossas súplicas, necessidades e distintas realidades. De mãos dadas com o fundamentalismo, o machismo, além de nos desrespeitar profundamente, nos mata cotidianamente, ou nos deixa graves sequelas. Historicamente, mulheres em todo mundo se organizam para denunciar esta violência e cerceamento que nos acomete a todas, em especial as jovens, pobres e negras. Entre os maiores problemas que enfrentamos estão o não reconhecimento e a negação de nossos direitos sexuais e direitos reprodutivos, com destaque ao direito ao aborto seguro.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente ocorrem no mundo 20 milhões de abortos inseguros, 70 mil mulheres morrem, 90% dessas mortes ocorrem em países com legislações restritivas ao procedimento. No Uruguai, desde a descriminalização do aborto em 2012, não foi registrada nenhuma morte. Já no Brasil, todos os anos, ocorrem cerca de 1 milhão de procedimentos inseguros, 25% dos casos geram internações por complicações de saúde, e a cada dois dias uma brasileira morre. Em países desenvolvidos, de gestão efetivamente laica e com políticas públicas realmente voltadas para os direitos das mulheres, são raros os casos de mortalidade materna em decorrência do abortamento inseguro. Especialistas em saúde pública afirmam que essas mortes só ocorrem por causa da criminalização do aborto que se configura como uma violação dos direitos das mulheres.
Apesar de todos os estudos comprobatórios desta calamidade, assistimos todos os dias a ataques dos políticos brasileiros contra os direitos das mulheres. Nesta segunda, dia 20 de junho de 2016, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) protocolou na Casa do Povo o Projeto de Lei 5617/2016 que institui o Dia Nacional de Conscientização Antiaborto. Com justificativas que deturpam as reinvindicações históricas das mulheres sobre seus direitos reprodutivos, o PL propõe que tal data seja incluída no calendário oficial de eventos do Governo Federal, assim como propõe a criação de um evento público para debater a questão, a elaboração e distribuição de cartilhas nos órgãos públicos, além de capacitação dos servidores públicos para a campanha antiaborto.
Estamos diante de mais um projeto que atenta gravemente contra os direitos as mulheres brasileiras. Senão, vejamos. Não há uma linha sequer do PL que reconheça o direito ao aborto previsto na legislação brasileira. Toda sua justificativa está pautada na “valorização e defesa da vida humana”, fazendo referência ao PL 111/2014, da vereadora Cátia Rodrigues (PROS-BA), que instituiu o mesmo dia na cidade de Salvador.
Ao cabo, se aprovada, a proposta de Feliciano autorizará o repasse de recursos públicos para negar às mulheres o direito à realização do procedimento, na medida em que será o próprio Governo Federal que irá promover campanhas contra o aborto, fato que infligirá inclusive o direito ao aborto já adquirido pelas mulheres vítimas de violência, e com riscos para sua saúde durante a gravidez.
Como se vê, os autores desses projetos retrógrados atuam, na maioria das vezes, conforme suas ideologias religiosas e fundamentalistas que nunca deveriam orientar a vida pública. São políticos que ignoram as distintas realidades e reclames sociais, violam os direitos humanos e a laicidade de nosso Estado.
Agora o PL 5617/2016 aguarda o despacho do Presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), aliado de Eduardo Cunha – outro inimigo das mulheres –, que, aliás, é investigado por desvio de recursos e lavagem de dinheiro.
Católicas convoca toda a sociedade, em especial nossas parceiras feministas, a denunciar este disparate e exigir sua total reprovação. Chega de insultos e ataques aos nossos direitos!
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