#Especial8M | Questionadoras e à frente de seus tempos. Assim foram as mulheres do “Desafiando a Igreja”, série de conteúdos sobre quatro católicas que enfrentaram a hierarquia patriarcal católica, rompendo barreiras a fim de questionar a desigualdade entre homens e mulheres. Ainda que o conceito de “feminismo” não tenha existido no período histórico de cada uma dessas católicas, seus pensamentos e práticas revelam uma verdadeira ação feminista vivenciada por elas.
No mês em que se celebra a luta e os direitos das meninas e mulheres, Católicas pelo Direito de Decidir relembra a vida e a trajetória dessas mulheres que foram perseguidas, silenciadas e mortas pelo machismo e o fundamentalismo religioso. Celebramos suas trajetórias e conhecimentos como combustível para manter acesa a nossa chama da esperança e da luta. A seguir, conheça Sor Juana Inés de La Cruz, Marguerite Porete, Hildegard Von Bingen e Ivone Gebara.
- Sor Juana Inés de La Cruz, poeta, freira e amante das mulheres
Um volume de poesia feito por uma freira mexicana estremeceu a Espanha. Afinal, era novidade: como uma freira, na época colonial, se atrevia à produção de poesias? Esta foi Sor Juana Inés de la Cruz (1648-1695), que vivia enclausurada no convento de San Jerónimo, na Cidade do México, então capital do Vice-Reino da Nova Espanha.
Inundación castálida (Inundação Castálida, em tradução livre), faz referência a uma fonte no santuário de Apolo na mitologia grega que, segundo o mito, abençoa quem bebe suas águas com pura inspiração. O texto atravessou o Atlântico e causou espanto pelo cunho romântico: os poemas eram dedicados à María Luisa Manrique de Lara y Gonzaga, a condessa de Paredes, vice-rainha da Nova Espanha à época, chamada “divina Lysi” no livro.
Perseguida pela Igreja Católica, Sor Juana produziu leitura crítica do período colonial e hoje é considerada uma das maiores expoentes da literatura espanhola do século XVII, além de ser celebrada como freira, lésbica, feminista e apontada ícone do movimento de libertação das mulheres na América Latina. Sua história se transformou em novela, série de TV e foi biografada pelo também poeta, ensaísta e tradutor mexicano, Octávio Paz.
Para saber mais:
Leia “Inundación castálida”
Conheça o livro de Octavio Paz
- Ivone Gebara, a voz dissonante (e que incomoda)
A brasileira Ivone Gebara, 76, está acostumada a ser uma voz dissonante. Há pelo menos quarenta anos ela – que é freira, filósofa, e eco-feminista – questiona dogmas que o catolicismo propagou ao longo da História. Ela estuda e ensina a chamada “teologia feminista” – sendo uma das percursoras no conceito – e busca desenhar um mundo em que sua religião não mais promova o apagamento e a submissão das mulheres no mundo.
Para Ivone, os dogmas da Igreja e a visão patriarcal da teologia causam um grande sofrimento às mulheres impondo-lhes uma dominação que gera discriminação, exclusão, privação e violência. E isso, claro, incomoda. Na década de 1990, foi obrigada a fazer silêncio obsequioso imposto pelo Vaticano por suas posições favoráveis ao aborto.
Doutora em Filosofia pela PUC-SP e em Ciências Religiosas pela Universidade Católica de Lovaine, na Bélgica, Ivone tem mais de 30 livros publicados e trabalhou por mais de 15 anos no Instituto de Teologia de Recife como professora, além de atuar nas periferias da região.
Para saber mais:
Ivone e o Vaticano
Entrevista com Ivone Gebara (BBC Brasil)
- Marguerite Porete, a herege revolucionária
Pode-se dizer a voz da beguina Marguerite Porete que, já na França do século XIII, foi considerada uma herege pela Igreja Católica, sobreviveu ao tempo. Porete desafiou a igreja primeiro ao escrever, segundo, ao trazer em seus textos novas ideias sobre o estado da alma e questionar formas medievais de vida monástica, que seguiam os ensinamentos da época.
As chamadas “beguinas” como Porete, eram mulheres que não haviam contraído matrimônio e adotavam um estilo de vida comunitário ou individual, dedicado a orações, à população mais vulnerável, aos enfermos e à prática da caridade, mas não estavam ligadas a nenhum monastério. Por isso, chegavam a gozar de certa autonomia espiritual e econômica.
Ao recusar abandonar suas ideias e ser acusada de pregá-las sem autorização da Igreja, Porete foi considerada herege e condenada à fogueira. Ela foi morta em 1 de junho de 1310, em praça pública, em Paris. Artigos acadêmicos pontuam que parte de seus escritos foram perdidos e que sua identidade hoje só é conhecida por registros em processos inquisitórios. Ela é reverenciada até hoje por sua ousadia em escrever sobre teologia fora dos cânones da Igreja Católica e por adotar um estilo de vida considerado autônomo para a época.
Para saber mais:
A fogueira e a alma aniquilada de Marguerite Porete
Beguinas, mulheres que conduziam o ministério feminino
- Hildegard Von Bingen, uma monja pelo desejo sexual
Em 1098, nascia na Alemanha Hildergard Von Bingen, uma monja beneditina medieval versada em ciência, pintura, poesia, conhecimentos em medicina, filosofia e teologia. Ao longo de sua trajetória, escreveu muitos textos sobre sexualidade (sim, já naquela época!) e relatou com realismo como se dava a libido, o desejo e o ato sexual em seus escritos.
No livro que ficou conhecido como Liber Compositionae Medicinae ela descreve o orgasmo feminino como uma ferramenta potente de cura e o ato sexual como algo admirável e intenso. Desafiando a Igreja, fundou dois mosteiros somente para mulheres após presenciar situações extremas, como o suicídio de uma monja, que estava grávida – algo proibido.
Embora mantivesse boas relações com o Vaticano, Hildergard protestava contra abusos de líderes da Igreja e defendia a igualdade entre homens e mulheres. Até hoje, é celebrada entre a comunidade LGBT+ por sua suposta homossexualidade, descrita em alguns livros históricos. Estima-se que ela viveu até os 80 anos, com uma vida longa – algo raro para a época.
Para saber mais:
Mulheres que mudaram a história
A monja e o orgasmo feminino