Por Keli de Oliveira Rodrigues, Multiplicadora de Católicas
Em diversos países da América Latina e no mundo, o dia internacional de combate à violência contra as mulheres é marcado por ações dos movimentos feministas, além de organismos internacionais, que buscam dar visibilidade à violência praticada contra meninas e mulheres. A data estabelecida foi tirada no 1º Encontro Feminista Latinoamericano e caribenho em 1981, na cidade de Bogotá, capital da Colômbia. O dia 25 de novembro marca a morte das irmãs Maribal (Las Mariposas) assassinadas pela ditadura de Rafael Trujillo, na República Dominicana.
No Brasil, ainda é assustador falar sobre violência contra mulher. Segundo dados mais recentes, o país ocupa a 7ª posição1 entre os países mais perigosos para as mulheres viverem, com um número de 92 mil mulheres assassinadas nos últimos trinta anos (1980-2010), sendo as jovens (15 a 29 anos) as principais vítimas. No último anuário sobre segurança pública2, publicado há poucas semanas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de estupros no país em 2013 foi de 50.320 casos, 96 a mais do que o registrado em 2012, significando uma “estabilidade” do número de casos de um ano para o outro, segundo a pesquisa. Esta “estabilidade” estaria ligada à subnotificação, ou casos que não foram denunciados. Neste sentido, é importante apontar que a violência perpetrada contra as mulheres é marcada pelo silêncio e pela culpa, considerando-se a estrutura patriarcal que ainda sustenta nossa sociedade – reforçada por uma “cultura do estupro”. Romper com o silêncio ainda é um movimento doloroso e solitário para milhares de mulheres.
No combate e no enfrentamento da violência contra as mulheres, em particular com relação à violência doméstica e familiar, o governo brasileiro tem empreendido esforços para estabelecer uma agenda de ações que pautam este tema. Podemos lembrar a Secretaria Especial de Politicas para as Mulheres e a Lei “Maria da Penha”, como empenho na criação de mecanismos de ação sobre o crime de violência doméstica no país.
Para garantir a efetividade da lei, uma estratégia foi a articulação dos Poderes por meio da criação do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher e a campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte”, ações fundamentais que auxiliam a efetivação da Lei. A partir delas, uma cooperação entre Governo Federal, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública visa articular várias instâncias da federação (municipal, estadual e federal) na tentativa de garantir a plena efetividade da Lei, com uma maior aceleração nos julgamentos dos casos de violência doméstica e um maior diálogo com a sociedade.
No entanto, a cooperação e a estratégia do enfrentamento da violência contra as mulheres em rede, caminho fundamental para o atendimento das mulheres em situação de violência, ainda se articula com muita dificuldade. Os organismos públicos e seus agentes, principalmente da segurança pública ainda estão longe de entender a violência contra as mulheres em uma perspectiva de gênero, pois reforçam preconceitos, revitimizam as mulheres e por vezes são responsáveis por desestimular a denúncia. A sensibilização destes agentes tem ficado a “cargo” de quem compõe estes espaços (redes) e entende de maneira sistêmica a violência doméstica.
Assim como o Estado brasileiro tem sido desafiado e cobrado em torno do fenômeno da violência contra as mulheres, a sociedade e em particular, nós, organizações e movimentos feministas, que atuamos na trincheira pela efetivação dos direitos das mulheres, além de sermos propositoras de ações e políticas de enfrentamento à violência, também somos convocadas a repensar nossas propostas articuladas com outras pautas e demandas.
Entre tantos desafios, dois pontos emergem e carecem de mais diálogos nos espaços conjuntos de atuação, como a luta pela desmilitarização da polícia. Neste cenário é importante considerar entre outras coisas, o papel das DDMs (Delegacias de Defesa das Mulheres), assim como a cobrança do poder público na estruturação e criação de serviços e espaços de reeducação e reabilitação de agressores, que contempla um aspecto importante de prevenção e desconstrução do machismo, que pressupõe um mecanismo importante de quebra/encerramento do ciclo de violência, mecanismo previsto no artigo 35 da Lei Maria da Penha e que mesmo assim continua sendo pauta polêmica entre nós!
Os desafios ainda são gigantes no combate à violência contra as mulheres no país, porque está diretamente relacionado à desigual construção entre os gêneros e sua intersecção com raça e classe. Essas opressões estruturam o Estado e suas instituições – como polícia e judiciário – e se manifestam em uma cultura, machista, racista e classista, onde as mulheres negras e pobres continuam a amargar as piores condições. Consideramos que para enfrentar tantos desafios, diálogo, ousadia e coragem não nos faltarão!
Como Católicas pelo Direito de Decidir, convocamos igrejas, templos, lideranças religiosas a que se unam nesta luta, cujo horizonte é alcançar a realização plena dos direitos humanos das mulheres.
1. Dados do Mapa da Violência no Brasil – Atualização: Homicídios de Mulheres no Brasil, 2012
2. 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2014.
Sites Consultados:
https://www.compromissoeatitude.org.br/informativo-08/
https://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/pacto-nacional
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm