Por Católicas pelo Direito de Decidir
“Preciso falar com você urgente, me liga quando puder.”
Essa é a frase que aciona um sinal vermelho. Há algo acontecendo. Na verdade, sempre há. A vida é um intenso movimento que ainda foge aos botões de controle da modernidade. Não há pause ou reset no tempo. A fluidez é diária, queiramos ou não.
As urgências cotidianas respondem a vida. Para-se tudo se o assunto é saúde – ou, pelo menos, deveria. Pela doença, a proximidade da morte aperta a existência e, com isso, há uma demanda de cuidado. Assuntos médicos se arrastam pelas rotinas, desmarcam compromissos, produzem faltas no trabalho e atestados na escola. A garantia da saúde é a garantia da vida. As urgências são levadas à emergência e, pelas mãos enluvadas de anônimos-rostos-cobertos-por-máscaras, em salas brancas e higienizadas, a solicitação é atendida. Exames, remédios, tratamentos. Assim, a saúde vem e a vida vai. O fluxo segue.
A compreensão do conceito de saúde é raso. Por costume e formação cartesiana, é oposto à doença. Sem considerar as implicações legais, sociais e econômicas do estado em que determinada paciente se encontra, há situações em que, em prol do corpo biológico, tecnicamente tratado com medicamentos, o bem-estar mental é lesado. A urgência física leva à emergência emocional, sobretudo quando falamos sobre o direito de decidir.
Bem sabemos que essa é uma questão de saúde que não é acolhida com urgência. Mesmo sendo uma situação passível de se tornar uma emergência ao não ser acolhida. A etimologia da palavra já carrega significados sobre seus efeitos no corpo. Apertar, comprimir e impelir são os verbos que acompanham a urgência. Aperto na garganta, porque a voz não passa. Choro comprimido ali também. Consciência impelida a raciocinar, mesmo diante de emoções desconhecidas. Medo. Angústia. Culpa. A urgência se materializa na carne e na mente. Não há mais espaço para as obrigações cotidianas. Não há espaço para separação do corpo e da mente, pois tudo se torna um só. Somos atravessadas, do dedinho ao menor fio do cabelo. Tornamo-nos uma só.
Nesse ínterim, somos atravessadas pela urgência: tanto as mulheres que carregam em seus ventres um acontecimento não desejado quanto nós, ativistas, que nos colocamos como rede de apoio. Na situação, a urgência é banhada na culpa católica. Criada pela Igreja e lapidada pelo Estado, ela nos aperta como se não tivéssemos mais espaço legal de existência em nossas comunidades. Como se estivéssemos sendo comprimidas, diminuídas diante das majestosas estruturas que, em defesa da moral criada pelos homens, não pudéssemos nos expandir. Somos impelidas a seguir as leis dos homens e as leis de Deus, ambas criadas por masculinos seres produtores de opressão, convencidos a nos controlar. Pela reprodução, acompanhadas pela desproteção, sangramos no escuro em busca de uma liberdade clandestina.
Diante de todas as proibições, a clandestinidade é a nossa única opção. Acometidas pela urgência, sem poder escolher e sem o direito à emergência, a angústia é a nossa guia. O sofrimento é o único direito regalado pelas instituições que, na dúvida entre os valores patriarcais e a nossa vida, não hesitam em despachar nosso corpo como objeto-mercadoria para o camburão ou o caixão. Com o coração apertando, cientes dessas possibilidades, seguimos sendo mulheres que acompanham mulheres nos tempos de urgência. Mulheres que apoiam, acolhem e oferecem colo em meio ao sinal vermelho.
Se precisam falar conosco urgente, não deixamos para falar quando pudermos. Ligamos de volta na hora, acolhemos a urgência na nossa rotina e passamos a trilhar juntas os passos dessa caminhada. O tempo é precioso e perigoso. Avançamos os sinais vermelhos, corremos contra as horas do capital, encaramos as afrontosas forças da morte, descobrimos contatos, cuidamos com as palavras, desenvolvemos estratégias, buscamos soluções. Se aprendemos a conviver com ela, fomos tornadas ativistas da urgência.
Nosso ativismo é pela urgência, porque ele percebe os sinais da realidade. Essa convivência nos ensina que precisamos mais. Liberdade clandestina é muito pouco, o que queremos mesmo é libertação. Urgência é rasa, queremos emergência que traz à tona a discussão. Queremos redes de apoio que saibam acolher. Queremos ativistas feministas comprometidas para além da própria reputação. Queremos que as mulheres possam escolher para terem o poder de construir projetos de vida pessoais e coletivos que incendeiem a cotidiana revolução. Se hoje somos ativistas da urgência, avançando sinais vermelhos, é para materializar a construção da libertação.
Educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer!