O futuro da Igreja frente aos desafios da modernidade

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O futuro da Igreja frente aos desafios da modernidade1
Regina Soares Jurkewicz2

Imagem e conteúdo são faces diferentes de uma mesma moeda. O papado de João Paulo II foi aparentemente inovador. O chefe da Igreja Católica soube relacionar-se com a mídia, criou uma nova imagem de “papa viajante e missionário”, pediu paz para o mundo e deu destaque à juventude. É este o papa que atraiu uma enorme multidão de peregrinos em seus funerais. Grupos humanos de diferentes partes do mundo sacralizaram a imagem do papa. Mas, como se explica este enaltecimento do principal líder católico, em uma época em que a Igreja está em franco declínio, em tantas partes do mundo? Neste papado, imagem e conteúdo se contradizem. A figura moderna do papa midiático, destoa do conteúdo de seu pontificado, repleto de rasgos anti-democráticos e conservadores.

Sabemos que Karol Wojtyla em sua juventude lutou contra os autoritarismos da época, mas, ao mesmo tempo assumiu um pensamento romano integral e intransigente frente ao mundo moderno. Foi a partir deste pensamento que conduziu seu papado e definiu os rumos da Igreja.

Estamos em tempos de mudança. A Igreja, ou melhor, uma parte dela – os cardeais – vão eleger um novo Papa. Os fiéis que se aglomeraram em Roma voltam para suas casas e, sem deixar de amar ao papa, continuam desobedecendo as prescrições de conduta moral dadas pela Igreja: utilizam anticoncepcionais para evitar a gravidez e preservativos para proteger-se do vírus da Aids. Nas pesquisas, não escondem sua opinião majoritária: as mulheres estupradas, que tem fetos anencefálicos ou correm riscos de vida têm direito ao aborto e devem ser assistidas pelo Estado. (pesquisa IBOPE – encomendada por CDD em 02/2005). Nem por isso esses católicos/as têm menos fé e deixam de declarar-se católicos/as.

Mas o descompasso entre o que a Igreja prega e os/as fiéis vivem continua imenso, desvendando a ineficácia de uma Igreja cristalizada em princípios morais que não se tornam “carne” na vida das comunidades católicas. O novo papa terá que lidar com enormes contradições se quiser evitar o isolamento da instituição eclesial. Será que a cúria romana e todos os cardeais estão percebendo que os/as católicos/as não seguem os ensinamentos papais, mesmo quando admiram o papa e choram por sua morte?

Talvez se a Igreja ouvisse mais a voz de mulheres e homens católicas/os, que estão na base de sua estrutura piramidal, conviveria melhor com os desafios que a modernidade nos impõe, sem perder o elã de sua mensagem evangelizadora. É indispensável que o futuro papa faça um caminho de descentralização do governo eclesial e lembre-se que ainda estamos vivendo sob as orientações esquecidas e longínquas do Concílio Vaticano II, que pretendeu inserir a Igreja no mundo e responder as questões trazidas pela modernidade.

Os desafios enfrentados pelo Concílio continuam vigentes:
A Igreja Católica precisa aprender a conviver com outras Igrejas, sem a pretensão de ser a única portadora da verdade divina; precisa rever o celibato obrigatório dos padres; a negação da plena cidadania eclesial das mulheres impedidas de fazer parte da hierarquia católica, afastadas do ensino teológico e do acesso ao sacerdócio; precisa dialogar com as teologias emergentes nas diferentes partes do mundo, ao invés de cercear o pensamento de teólogos/as. O pensamento teológico tem se tornado inibido e temeroso. Setores marginalizados da Igreja são os que mais produzem teologia, porém não encontram interlocução com o pensamento oficial. É o caso das teologias feministas, teologias homossexuais, queer, teologias raciais. A resposta do Vaticano à estas teologias têm sido tão somente, a condenação e o silêncio.

Se o futuro papa quiser manter-se fiel à mensagem libertadora do cristianismo, precisará trilhar um caminho de diálogo com as diversidades e tendências teológicas no interior da igreja.

Nós, mulheres católicas, esperamos que este novo papado exerça o dom da escuta, recupere sua dimensão profética e trabalhe para minimizar os graves problemas que a humanidade enfrenta: desigualdades sociais e econômicas, desrespeito às soberanias nacionais, destruição do planeta, fundamentalismos políticos e religiosos, preconceitos sexistas e racistas. A igreja, como produtora de sentido para a vida, não pode limitar-se a gastar tantas energias buscando inutilmente controlar o comportamento sexual dos seres humanos, sua missão vai muito mais além!

Esperamos que o futuro bispo de Roma não se preocupe tanto com questões relacionadas à moral sexual e respeite as consciências individuais de cada fiel, que entende a moral muito mais como um caminho indicativo do que um conjunto de prescrições absolutas.

Referências:
1. Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo.
2. Regina Soares Jurkewicz é coordenadora do projeto Derechos Reproductivos, Religión y Fundamentalismos em América Latina: propuestas para el avance de los derechos de las mujeres. Acciones desde CDD Brasil y CDD Colombia. Doutora em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica – PUC SP.