Por: Valéria Melki Busin*
A mídia brasileira está sendo inundada por imagens e declarações do Papa Francisco, que vem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, megaevento religioso que ocorrerá entre os dias 23 e 28 de julho no Rio de Janeiro. Espera-se que um público de mais de dois milhões de jovens católicos/as de todo o mundo vá à capital fluminense para participar da JMJ.
O Papa, ao contrário de seu antecessor, é uma figura carismática, vista com simpatia e carinho pelos/as fiéis por sua humildade e simplicidade, o que pode indicar um resgate de certos valores cristãos que há algum tempo pareciam estar esquecidos. Para muitos/as católicos/as, trata-se de uma renovação importante na Igreja católica. Uma análise mais atenta demonstra que no campo da moral sexual, porém, pouco ou quase nada muda no atual papado. Na sua primeira encíclica, chamada Lumen Fidei, feitaaliás em conjunto com Bento XVI, encontramos com grande pesar mais uma vez a recorrente homofobia da Igreja que deveria pregar amor e compaixão.
Ao reafirmar que família é a união estável entre homem e mulher no matrimônio, o Papa Francisco contribui para a estigmatização de outras famílias possíveis, como, por exemplo, aquelas em que apenas uma figura parental está presente. E mais: ao declarar, na sequência, que “tal união e do seu amor, sinal e presença do amor de Deus, nasce do reconhecimento e aceitação do bem que é a diferença sexual, em virtude da qual os cônjuges se podem unir numa só carne e são capazes de gerar uma nova vida” (grifo nosso), o Papa ignora outras possibilidades legítimas de relacionamento amoroso, prestando mais um incomensurável desserviço às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, pois reforça, reitera e torna sagrada a homofobia já tão presente em nossa sociedade. Por que o amor precisa ser hierarquizado? Por que esse sumo representante do mais antiquado catolicismo não consegue entender que o que importa é o amor, não a biologia? Por que a diversidade de expressões sexuais deve ser negada, excluída, discriminada?
Uma coisa que o Papa Francisco, assim como seus dois antecessores, parece não perceber: esse discurso tem peso e eco em todo o mundo ocidental. Condenar o amor não heterossexual é uma inadmissível violência simbólica contra pessoas LGBTT. E mais: essa perseguição incansável às diversas formas de ser e de amar só promove o ódio e a intolerância, colocando milhares de seres humanos em situação de vulnerabilidade social. Esse desamor não é cristão, ele machuca, fere, mata. Estamos no século XXI. Já não está na hora de pregar o amor?
* Valéria Melki Busin é doutoranda em Psicologia Social na Universidade de São Paulo e mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP. Na época da publicação deste artigo integrava a equipe de coordenação da ONG Católicas pelo Direito de Decidir.