Por: Regina Soares Jurkewicz*
Os escândalos de pedofilia na Igreja católica contribuíram para minar sua credibilidade. Tão grave quanto a prática da pedofilia é a atitude da hierarquia católica, que esconde padres denunciados por suas vítimas, transferindo-os de paróquias e estabelecendo a “política do silêncio”, que nega acusações e protege padres agressores.
As raízes desta impunidade residem na própria política da Igreja ao lidar com as denúncias de abuso sexual. O Código de Direito Canônico orienta a hierarquia a manter o silêncio e até a encobrir a transgressão para evitar escândalos, buscando apenas salvar a imagem da Igreja e do sacerdócio.
Os bispos são orientados a agir com a máxima discrição e, mesmo diante da necessidade de punição, aplicá-la internamente, sem torná-la pública. Tais punições visam, antes de tudo, ao arrependimento do agressor e ao retorno deste para o caminho de Deus, ou seja: se o agressor diz se arrepender e promete não ”pecar” novamente, é perdoado e retorna às suas funções. De acordo com o Código de Direito Canônico, abuso sexual por parte do clero não é considerado delito ou crime, apenas pecado; não há intenção de submeter o ”pecador“ à Justiça civil. De um modo geral, a Igreja católica tem dificuldade em submeter-se às autoridades e Justiça civis, não denunciando os transgressores e não fornecendo informações necessárias à conclusão de um processo instaurado.
O comitê da ONU encarregado de proteção às crianças oferece ao Vaticano uma oportunidade única de estabelecer formas de enfrentamento à pedofilia no interior da Igreja. O Papa Francisco, como chefe de Estado e observador das Nações Unidas, receberá um questionário enviado pela ONU sobre os milhares de casos de pedofilia em vários países. Essa avaliação de procedimentos da Igreja para evitar a pedofilia deverá acontecer no início de 2014.
Assumir a verdade dos casos de pedofilia na Igreja significa romper com a “política do silêncio” que tanto João Paulo II, como Bento XVI estabeleceram frente a situações de denúncias de abuso sexual cometido por padres nos colégios católicos, paróquias e outras instituições. Um problema dessa envergadura necessita de um tratamento estrutural, como por exemplo: divulgar instâncias eclesiais da estrutura burocrática responsáveis por receber denúncias, prestar contas à sociedade sobre os casos já ocorridos, indenizar vítimas, oferecer apoio psicológico e jurídico a denunciantes e o mais importante: não impedir que a Justiça civil julgue abusadores sexuais que fazem parte da hierarquia católica.
Nós, mulheres católicas, não queremos temer ao enviar nossos filhos à catequese ou aos inúmeros colégios católicos. Esperamos que o Papa Francisco cumpra as promessas que vem fazendo e implemente medidas para erradicar a pedofilia. Esperamos ainda que a Igreja seja um local de acolhimento e não represente mais ameaça às crianças e mulheres, atualmente ainda vulneráveis à violência sexual de religiosos.
* Regina Soares Jurkewicz é Doutora em Ciências da Religião e coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir.