No Brasil, cerca de 70 mães morrem a cada 100 mil nascidos. Para se ter uma ideia do que esse número significa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera como elevados os índices que ultrapassem 20 óbitos maternos por 100 mil nascidos. Outro dado assustador: estima-se que ocorram mais de 3 mil óbitos de gestantes e puérperas anualmente.
As principais causas de morte materna no Brasil são: hipertensão, hemorragia, infecção puerperal, aborto e doenças do aparelho circulatório, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Ou seja, os números nos mostram que as mulheres continuam morrendo por causas que são previsíveis e perfeitamente evitáveis.
O aborto clandestino é o quarto maior responsável por morte materna no Brasil. A prática contribui com a elevada taxa de mortalidade materna porque é realizado de forma insegura, sem as mínimas condições técnicas e de higiene. De acordo com estimativas governamentais, mais de 1 milhão de mulheres se submetem anualmente ao procedimento de abortos inseguros no Brasil, dos quais perto de 400 mil terminam em internação, algumas com sequelas irreversíveis, e um número não estimado acaba em morte. O agravante é que são as mulheres já excluídas ou estigmatizadas socialmente que morrem por aborto inseguro: pobres, negras, jovens.
No dia 28 de maio – Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna -, as mulheres do nosso país estão de luto. Alguns parlamentares apresentaram um projeto de lei que, se for aprovado, só vai piorar essa realidade precária e indigna, que afeta a saúde e a vida das mulheres brasileiras. Trata-se do Estatuto do Nascituro, que pretende garantir direitos aos não nascidos desde o momento da concepção.
Esse estatuto, que já está tramitando na Câmara dos Deputados, foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família no dia 19 de maio último. Sendo aprovado por mais duas comissões, irá à votação em plenário, o que representa um grande risco para a dignidade das mulheres brasileiras, além de lhes violar direitos humanos básicos.
Ao determinar que a vida começa na concepção e considerar o nascituro como sujeito de direitos, contrariando o que diz a Constituição Brasileira, o Estatuto do Nascituro só reforça o estigma e a criminalização das mulheres que abortam, mesmo ressalvando os dois casos de aborto permitidos pela lei (gravidez com risco de morte para a gestante ou resultado de estupro).
O início da vida e o fim dela não são definidos cientificamente, mas por convenções sociais. Ao tentar impor para toda a sociedade um princípio que vem de crenças religiosas – que a vida começa desde a concepção -, o Estatuto do Nascituro viola o princípio do Estado laico, determinando arbitrariamente algo que ainda está em debate na sociedade.
Esse projeto de lei cria uma mordaça que criminalizará qualquer manifestação a favor da legalização do aborto por considerá-la apologia ao crime, violando também o princípio constitucional da liberdade de expressão. Ou seja, se aprovado, o Estatuto do Nascituro impedirá – de forma irremediável, autoritária e antidemocrática – a mobilização da sociedade civil em favor da mudança da legislação vigente, que ainda é uma das mais restritivas do mundo.
Por fim, um toque de absurdo: o Estatuto do Nascituro, visando estimular que mulheres que foram estupradas não abortem, cria o que as feministas denominaram “bolsa estupro”, que obrigaria o estuprador a pagar pensão alimentícia para a criança gerada pelo seu crime até que ela complete 18 anos. Considerando que o estuprador possa ser desconhecido ou esteja preso, sem condições de arcar com essa pensão, o Estado brasileiro seria o responsável por assumir esse ônus. Ou seja, além de criar um vínculo tenebroso entre estuprador e mulher estuprada, ainda onera toda a sociedade, que pagará a “bolsa-estupro” com seus impostos.
Chega de criminalização das mulheres! Para implementar ações efetivas para uma real melhora nas condições de vida das mulheres, precisamos repudiar veementemente iniciativas como essa. E, neste ano de eleições, vamos votar em quem efetivamente se importa com a dignidade e a saúde de todas nós. Vamos impedir que candidatos/as que atentam contra a diginidade das mulheres brasileiras sejam (re)eleitos/as.
Lembramos ainda que, para que possamos alcançar um outro patamar de saúde das mulheres brasileiras, é necessário e urgente:
- que as mulheres tenham a garantido os seus direitos individuais;
- que as mulheres tenham garantidos e respeitados os seus direitos reprodutivos;
- que aconteça a implementação de políticas públicas visando à saúde integral das mulheres.
Sem essas condições, sem a legalização do aborto, sem o respeito à dignidade e à vida das mulheres, seguiremos impassíveis vendo milhares de mulheres morrendo de causas facilmente evitáveis.
Estamos de luto.
Católicas pelo Direito de Decidir