Por Francisca Serrão*
A violência contra a mulher é um fenômeno muito “democrático”, pois acontece em todas as classes sociais, idades, etnias, credos, tipos de família e localização geográfica. Ela se manifesta de diversas formas e é consequência de uma sociedade machista e patriarcal.
A violência de gênero é reforçada, reafirmada e perpetuada a todo momento na mídia, nas famílias, escolas, igrejas, locais de trabalho, na política, nos espaços públicos, na cultura, na legislação etc. Nesses espaços, os discursos ainda reforçam que a “missão” da mulher é cuidar dos filhos, da casa, dos maridos, dos doentes e dos idosos, mas ao mesmo tempo tais funções são socialmente desvalorizadas. Além de as mulheres não serem incentivadas a cuidarem de si e de suas vidas, muitas acabam assumindo múltiplas jornadas de trabalho, comprometendo sua realização pessoal e, muitas vezes, a própria saúde.
As igrejas frequentemente afirmam que as mulheres devem se esforçar para ser “puras” acima de tudo, reforçando também a ideia de que elas são maledicentes, imorais, frágeis e pecadoras. Às mulheres, se pede paciência e submissão, penitência e sacrifício. Reitera-se assim uma interpretação misógina do mito da expulsão de Adão e Eva do Paraíso, ou seja, a mulher é a pecadora que seduz o homem inocente e o faz pecar e, por isso, todos os sofrimentos do mundo são percebidos como consequência da desobediência da mulher. As igrejas muitas vezes reforçam ainda uma dupla moral para os homens: maridos traem, agridem, estupram e mal são admoestados, enquanto que elas são orientadas a perdoar seus agressores, mas não são incentivadas a fazer uma denúncia e a dar um basta nas agressões covardes que sofrem. Todo esse ideário faz com quem a desigualdade de gênero seja reforçada e, pior, sacralizada, legitimando em grande medida a violência contra as mulheres. Não é a toa que ainda enfrentamos tantos desafios para a implementação da Lei Maria da Penha, criada em 2006 para coibir a violência contra as mulheres no Brasil.
A Lei Maria da Penha é um excelente instrumento, mas o machismo de magistrados/as, policiais, delegados/as e da sociedade em geral ainda dificulta seu cumprimento. As denúncias aumentaram com a implantação da Lei e, com isso, aumentou a visibilidade do grave problema social que é a violência contra a mulher, mas ainda assim em muitas localidades existe uma enorme disparidade entre a quantidade de denúncias e a quantidade de inquéritos, ocorrendo também uma demora injustificável para a punição dos agressores. Com tamanha morosidade e tantos descasos, muitas mulheres desistem de seus direitos e muitas outras são levadas a desistir pela pressão da família do agressor e, às vezes, por interferência até de sua própria família. Dessa forma, muitas vezes elas acabam sendo vistas como não merecedoras de justiça e são tidas até mesmo como culpadas pela agressão que sofrem. E elas não encontram apoio nem mesmo nas igrejas e templos que frequentam.
São muitos os desafios a superar para que a Lei Maria da Penha possa ter um resultado realmente significativo no combate à violência contra a mulher e, dentre tantos outros, podemos citar: a necessidade de mais delegacias da mulher e que elas funcionem ininterruptamente; orçamento público que garanta a implementação de políticas públicas que tornem humanizados os atendimentos às mulheres que sofrem violência; integração de todos os serviços em uma rede de atenção às violência contra as mulheres; enfrentamento em todas as esferas governamentais da desigualdade de gênero e dos diversos tipos de violência que ela acarreta; capacitação sobre gênero para todos os/as profissionais que atuam nas instituições que atendem as mulheres ofendidas pela violência, principalmente a doméstica e familiar. Assim, os principais desafios que precisam ser superados urgentemente são:
- Delegacia da mulher em TODOS os municípios do Brasil;
- Atendimento às mulheres que sofrem violência que funcionem dia e noite em todos os dias da semana, incluindo sábado, domingo e feriado;
- Promoção de educação não-sexista;
- Agilidade na punição dos agressores;
- Criação do Fundo de Defesa da Mulher (FDM);
- Inserção, no orçamento de todas as instituições governamentais e não governamentais, de recursos e programas para o combate a violência de gênero;
- Implementação e o fortalecimento das Redes de Atenção à Violência doméstica em todo o território nacional
Como mulheres católicas, também queremos que as religiões sejam intolerantes com o machismo e com homens agressores; que acolham as mulheres em seus anseios e desejos e não as estimulem a ser apenas instrumentos para a realização alheia; que as autoridades religiosas condenem com rigor a desigualdade de gênero e as violências contra as mulheres; que ponham fim na violência simbólica que inferioriza as mulheres e ainda é tão presente nos discursos religiosos; que ensinem mulheres e homens que Deus quer um mundo bom e justo para todas as pessoas; que não legitimem mais nos púlpitos a violação do direito à dignidade humana das mulheres. Basta de humilhação, indignidade e de qualquer forma de violência contra as mulheres. Já!
*Francisca Serrão é pedagoga, especialista em gestão, em pedagogia gestora e educação infantil, ativista política, multiplicadora de Católicas pelo Direito de Decidir