Por Valéria Melki Busin*
No próximo domingo, dia 2 de junho, ocorrerá a 17ª Parada de Orgulho LGBTT de São Paulo, conhecida de forma popular por Parada Gay, ainda que as “letrinhas” indiquem a participação e reivindicação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Trata-se de um evento muito festivo, com muita gente ocupando as ruas ao som de trios elétricos, mostrando fantasias criativas e muita alegria.
Ainda que muitas pessoas não percebam, a Parada é um evento extremamente político. E é bom lembrar que a música e a dança sempre fizeram parte da história de resistência do povo brasileiro, basta lembrarmos, por exemplo, do samba e da capoeira. No dia da Parada, milhões de pessoas saem às ruas para dizer que existem, que são pessoas que têm tido sistematicamente seus direitos humanos desrespeitados, assim como conta com a adesão de milhares de pessoas que simpatizam com a causa LGBTT e fazem questão de apoiar sua luta. É bonito, por exemplo, ver famílias heterossexuais levando suas crianças para participar e aprender a beleza e a importância da diversidade.
A alegria, que é uma marca registrada da Parada, também deveria ser um direito de pessoas LGBTT, haja vista que algumas conquistas importantes vêm sendo obtidas devido à luta do movimento de afirmação de direitos desse segmento. Como exemplo, citamos o direito ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo, que foi reconhecido como legítimo pelo STF e pela decisão recente do Conselho Nacional de Justiça, que obriga os cartórios de todo o país a oficializá-lo.
Note-se que esses direitos conquistados – como o casamento civil – não ferem os direitos de ninguém. Ao conquistar alguns poucos direitos, pessoas LGBTT não estão obtendo privilégios, ao contrário: apenas passam a ser tratadas com um pouco mais de dignidade e equidade. No entanto, quem reage de forma violenta está demonstrando que não aceita perder seus privilégios!
A reação à conquista desses direitos por parte dos setores mais conservadores da sociedade, notadamente os grupos cristãos fundamentalistas, tem sido ostensivamente agressiva e antidemocrática, o que tem trazido um recrudescimento de ações violentas e crimes de ódio por parte de pessoas e grupos homofóbicos, que se sentem legitimados por um discurso supostamente religioso. Muitas vidas estão sendo terrivelmente marcadas pela violência, por agressões físicas, psicológicas e até sexuais, trazendo dor e sofrimento para milhares de pessoas. Outras vidas estão sendo ceifadas, demonstrando que apesar do discurso supostamente religioso de defesa da vida, o que existe por trás é uma absurda dificuldade de se viver em democracia, de conviver com – ou pelo menos respeitar – as diferenças que são inerentes à vida em uma sociedade que se supõe democrática. O que existe é um autoritarismo intolerante e intransigente, mascarado de boas intenções.
O que nos assusta terrivelmente é que, no jogo democrático, que muitas vezes supõe concessões para que acordos de interesse nacional possam ser firmados, a vida dessas pessoas tem sido sistematicamente trocada por votos.
Ao invés de um Estado laico de fato, que é essencial à democracia, temos visto situações chocantes e inadmissíveis de interferência desses grupos religiosos nas políticas públicas – a distribuição de material educativo para prevenção de AIDS dirigido a adolescentes teve sua distribuição suspensa por determinação do governo federal por abordar temas como gravidez na adolescência, uso de camisinha e homossexualidade; o atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara ser pastor evangélico, o deputado Marco Feliciano, que não tem história de promoção dos direitos humanos em sua carreira e, além disso, é conhecido por declarações homofóbicas e racistas; e a verba pública destinada à visita de um líder religioso que reiteradamente condena as relações homossexuais e a transexualidade –, para citarmos apenas alguns dos fatos que vêm ferindo sistematicamente a laicidade do Estado ao condenar pessoas a uma “cidadania sem direitos”, a partir de ideias de determinados grupos religiosos e preconceituosos. É legítimo, numa sociedade democrática, trocar milhares de vidas por votos?
* À época da publicação deste artigo Valéria Melki Busin integrava a equipe de Católicas pelo Direito de Decidir.