Por Católicas pelo Direito de Decidir
Neste mês em que celebramos o Dia Internacional das Mulheres, devemos falar da grave presença de forças conservadoras nos espaços de poder e decisão da nossa sociedade. Sabemos que dois dos focos dos fundamentalismos são dinheiro e poder, mas também impedir qualquer avanço no campo dos direitos humanos, especialmente nos direitos sexuais e direitos reprodutivos.
Se nada fizermos, estas forças, movidas por crenças religiosas ou ideológicas, podem colocar o Brasil entre os países mais atrasados do mundo, barrando avanços que poderiam reverter a situação de vulnerabilidade à qual mulheres, jovens, crianças, LBGTs, população negra, e pobres estão submetidos.
A existência das chamadas forças fundamentalistas ou forças conservadoras, não são inventos das organizações sociais que promovem os direitos humanos. Estas organizações são forças vivas, reais, que deixam suas marcas sinistras nos corpos das mulheres, nas políticas sociais e nas leis brasileiras.
É escandaloso como estas forças usam silenciosa e agressivamente seus tentáculos em instituições estratégicas da sociedade: Congresso Nacional, ONU, Universidades, entidades jurídicas, médicas e outras. Outros destilam seu ódio publicamente, usando espaços representativos da sociedade, com expressões homofóbicas, sexistas e violentas para arrancar das pessoas uma de suas joias mais preciosas, conquistadas em longas batalhas: seus direitos.
Os fundamentalistas têm atacado especialmente os direitos sexuais, direitos reprodutivos, os direitos da população LGBT, as pesquisas com células tronco e o uso dos anticoncepcionais. A família que defendem é formada por homens e mulheres heterossexuais, com o objetivo da procriação, como se este fosse o único modelo experimentado e desejado pela sociedade.
Mas eles não querem só impor uma moral sexual, condenatória, embasada em princípios religiosos deturpados. Eles querem mais. Querem que o sistema econômico neoliberal seja imposto como um dogma para toda a sociedade. Para eles, somente o livre mercado pode solucionar todos os problemas do mundo. Precisamente para os dogmáticos neoliberais, não importa o legado de sofrimento, de pobreza, de injustiças. Como qualquer fundamentalismo embasado em dogmas, isso faria parte do sacrifício que as pessoas têm que pagar para conseguir a salvação, na terra ou no céu. Eles querem que as estruturas políticas e econômicas tenham como base de sustentação a ideologia que move o neoliberalismo porque este supõe a ausência de direitos, e, somente assim, o mercado poderá voar como uma águia livre, sem interferência nenhuma, para conseguir sua presa principal: a vida das pessoas convertida em mercadoria.
Democracia não combina com fundamentalismo. São duas linhas paralelas que nunca se encontram. Quando o movimento social fala de direitos humanos, ele expressa nosso desejo profundo de que palavras como dignidade, justiça, liberdade e direitos se convertam em realidades vivas e penetrem no mais profundo do ser humano, no seu corpo, no seu pensamento, no seu comportamento, na sua vida. Com organizações fundamentalistas isto não é possível, porque eles negam e condenam a existência daquelxs que pensam diferente deles.
Então nos perguntamos: como ideologias deste tipo podem invadir espaços democráticos onde a pluralidade e diversidade de ideias, de culturas, de posições políticas, de grupos étnicos, de orientações sexuais são uma realidade? Será que não percebemos que o fundamentalismo tem perpetuado a desigualdade social, econômica, de gênero, de raça/etnia? Como ideias como estas encontram apoio nos espaços de decisão da sociedade, se está provado que não poderá haver avanços sociais se não mudarmos as perspectivas das leis? Será que a sociedade não percebe que, por causa dos obstáculos colocados por estes grupos, o Brasil ainda é devedor da implementação de políticas públicas para melhorar o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva e diminuir a realização de abortos inseguros, por exemplo? Não percebe que os entraves impostos por estes grupos, aumentam os obstáculos que as mulheres enfrentam para ter acesso aos métodos contraceptivos, incluindo a contracepção de emergência? Não percebem que, por causa de ideias religiosas e ideológicas, cada vez mais nos deparamos com as tristes notícias de que mulheres estão sendo denunciadas e presas por causa da realização de um aborto? Ou que pessoas LGBTs são agredidas e mortas em plena luz do dia?
Não são as mulheres, as/os homossexuais, as/os negras/os, as/os pobres que devem ser estigmatizados e criminalizados. Quem deve ser penalizado é o Estado que não considera as mulheres, que no lugar de atendê-las dignamente, as denuncia e prende. Ou então este mesmo Estado que desrespeita as pessoas trans, obrigando-as a passar por procedimentos absurdos, como se elas fossem incapazes de decidir o que fazem com seus próprios corpos. Quem deve ser penalizado é o funcionário público que, no lugar de cumprir com suas obrigações, se nega a prestar serviços para TODA a população, sob alegações religiosas ou ideológicas. O que deve ser penalizado é a sonegação de imposto de entidades religiosas que vivem da fé alheia e do dinheiro público. O que deve ser penalizado é a grave violação do princípio da laicidade do Estado, já que esta é uma garantia fundamental para que a liberdade de consciência, de crença, de religião e de expressão possa ser vivida sem coerção. O que deve ser criminalizado socialmente é um poder público infestado por forças conservadoras sexistas, homofóbicas, racistas e capitalistas que ameaçam os direitos humanos de nossa sociedade.
Exigimos que qualquer desenho de políticas públicas ou leis respeitem os direitos de todas as mulheres, inclusive o direito de decidir sobre seus corpos, sua vida. O respeito dos direitos das mulheres é um assunto de saúde pública, de respeito à cidadania, de justiça social e de democracia!!!!!