Estimado Papa Francisco:
Como Católicas pelo Direito de Decidir, apreciamos sinceramente que, no marco do Ano da Misericórdia, você tenha compreendido o dilema em que muitas mulheres se encontram diante do imperativo de interromper uma gravidez não desejada e em consequência disso tenha concedido aos sacerdotes, já não mais única e exclusivamente aos bispos, a função de absolver o que tem chamado de “o pecado do aborto”.
Como crentes, como muitas teólogas e teólogos, consideramos que o aborto não é pecado quando as mulheres tomam essa decisão com consciência, de maneira informada e orada e obrigadas pelas circunstâncias: quando a gravidez foi fruto de um estupro, por problemas de saúde, por correr risco de vida, porque estão vivendo uma situação econômica ou social difícil, ou meninas que foram abusadas sexualmente, entre outras. Em nenhum caso, as mulheres, nem nas situações mais extremas, vivemos o dilema do aborto de maneira superficial, como lamentavelmente você mencionou.
Para as mulheres, como para qualquer ser humano, a vida é muito valiosa. Quem aborta não o faz porque perdeu a sensibilidade diante da vida. Para a grande maioria delas, a vida é tão valiosa que não estão dispostas a trazer uma pessoa ao mundo em condições de violência, pobreza e infelicidade tanto para essa vida que inicia como para suas famílias.
Muitas mulheres temos encontrado em algumas legislações civis mais misericórdia e justiça do que na nossa própria Igreja, porque as leis nos consideram como pessoas adultas com capacidade para tomar decisões. Algumas leis deixam de considerar o aborto um delito porque ponderam os dois lados, o da vida no cerne e o da vida da mulher, e tem considerado as distintas circunstâncias em que vivem as mulheres que abortam sem que sejam castigadas por isso. Lamentavelmente, muitos bispos no mundo continuam estigmatizando essas nossas irmãs e pressionando as autoridades civis para que sejam castigadas.
Valorizamos muito seus esforços por uma Igreja includente, misericordiosa, amorosa, acolhedora, que compreenda as alegrias e tristezas de todas as pessoas, que recupere a plena comunhão sem estigmatizar ninguém. Valorizamos que tenha compreendido as circunstâncias que tem conduzido as mulheres a tomar esta difícil decisão, que reconheça que na maioria dos casos está subjacente “um drama existencial e moral” e uma decisão dolorosa. Certamente seria fundamental também que considerasse que a despenalização do aborto tem ajudado a salvar muitas mulheres, tem reduzido sua prática clandestina, insegura e em condições insalubres.
Para o Ano Jubilar, e com essas reflexões, propomos que:
· Se considere que o aborto não é pecado quando resultado de uma decisão consciente e de maneira informada e orada, e quando a gravidez for fruto de um estupro, haja problemas de saúde, que a mulher corra risco de vida, situações de dificuldades econômicas ou sociais, ou se trate de meninas que tragicamente foram abusadas sexualmente, entre outras razões.
- As autoridades eclesiásticas de todos os níveis deixem de estigmatizar as mulheres que abortam e deixem de pressionar as autoridades civis para que elas sejam castigadas e perseguidas como delinquentes, porque como você mencionou, a convivência respeitosa e pacífica depende da laicidade do Estado.
- Todas as autoridades eclesiásticas peçam perdão pelo dano físico, moral e espiritual que tem gerado a milhões de mulheres que abortaram, e não receberam deles a mínima expressão de misericórdia.
Como em cartas anteriores, agradecemos profundamente sua atenção.
Atenciosamente,
Rede Latinoamericana de Católicas pelo Direito de Decidir