TJ-SP admite recursos de Católicas Pelo Direito de Decidir em ação apresentada pelo Centro Dom Bosco; julgamento final caberá ao STJ e STF
A organização da sociedade civil CDD (Católicas Pelo Direito de Decidir) vem a público informar que teve conhecimento de que, no início de abril, a presidência da Seção de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) admitiu os recursos especial e extraordinário interpostos pela organização contra decisão anterior da 2ª Câmara de Direito Privado do próprio tribunal paulista. Com isso, caberá ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal) o julgamento final sobre o acórdão do TJ-SP que, em outubro de 2020, decidiu que a palavra “católicas” não poderia ser utilizada em nosso nome institucional, além de estipular pagamento de multa diária direcionada à Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, que apresentou a ação.
Católicas Pelo Direito de Decidir defende o acesso ao aborto legal, seguro e gratuito desde 1993 no Brasil. Em uma disputa de narrativa, nos colocamos como mulheres religiosas que trabalham por justiça social, mudanças dos padrões culturais e religiosos que limitam a autonomia e a liberdade das mulheres, sempre pautadas pela teologia feminista – o que, ao longo de nossa trajetória, observamos ser um problema para aqueles que preferem caminhar junto à violência e ao fundamentalismo, rejeitam a pluralidade, e negam a influência patriarcal em sua narrativa.
Em acórdão proferido nos autos da apelação cível movida pela Associação Centro do Bosco de Fé e Cultura em outubro de 2020, o TJ-SP, por meio do desembargador relator José Carlos Ferreira Alves, afirmou que a nossa existência enquanto organização seria um “inegável desserviço à sociedade”, ferindo o “sentimento religioso de uma enormidade de pessoas”, uma vez que a maioria da população brasileira se declara católica. O desembargador relator ainda afirmou que há “flagrante ilicitude e abuso de direito” e “injusta, evidente e notória agressão aos claros valores” da Igreja Católica em texto do acórdão.
Ora, a palavra “católicas” compõe um significado muito maior do que aquele que se refere apenas à Igreja Católica Romana. Ela não é uma marca registrada que está sujeita a possíveis processos. Sobretudo, não falamos em nome da Igreja, mas de nossa prática religiosa. Nós, enquanto organização, temos um compromisso com a construção de uma Igreja inclusiva e diversa, livre de preconceitos, discriminação e violência. Observamos ao longo de nossa trajetória que pessoas que se entendem como católicas – assim como nós – não necessariamente compartilham opiniões da hierarquia católica mais conservadora.
Assim como pontuaram nossas colegas de Catholics For Choice, nos Estados Unidos, e nossas companheiras da Rede Latino Americana de Católicas Pelo Direito de Decidir, aqueles que se sentem ameaçados pela nossa existência enquanto organização e pelo aumento de mulheres católicas que reivindicam seu poder e se engajam na luta por direitos sexuais e reprodutivos no país só provam que somos uma força que promove mudanças culturais efetivas. Não permitiremos que nossa voz pública seja perseguida.
Acreditamos que a ação judicial, inclusive, faz parte de uma estratégia para calar a nossa voz e ferir nossa liberdade religiosa. A admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e a possibilidade de apreciação pelas instâncias superiores no sistema de Justiça inaugura um novo momento para a nossa organização, que tem sua existência atacada institucionalmente. Esperamos que, diante da conjuntura fundamentalista e conservadora que contaminou parte do país, a clareza e o discernimento inerentes ao conceito de Justiça nas práticas democráticas sejam aplicados de forma plena.
Os recursos especial, ao STJ, e extraordinário, ao STF, foram admitidos pela presidência da Seção de Direito Privado do TJ-SP em decisão publicada no DJE (Diário de Justiça Eletrônico) no último dia 6 de abril. Após a admissibilidade, aguardamos o sorteio do ministro ou ministra responsáveis pela relatoria dos processos no STJ e STF. Uma medida cautelar com efeito suspensivo também será apresentada para suspender a exigência de pagamento da multa indenizatória estipulada na ação e que seria destinada ao Centro Dom Bosco.
Aguardaremos o tempo da Justiça e até as decisões finais, continuaremos defendendo os direitos das mulheres brasileiras e, sim, manteremos “católicas” em nosso nome institucional. Paralelo aos trâmites da ação, estudamos internamente a possibilidade de entrar com uma denúncia na ONU (Organização das Nações Unidas) e junto à OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) para sensibilizar autoridades responsáveis.
Aproveitamos a oportunidade para agradecer publicamente as teólogas (os), católicas (os), ativistas, ministros da fé, lideranças religiosas diversas, juristas, acadêmicos, professores e organizações que lutam pelos Direitos Humanos no Brasil e fora dele que, desde o momento em que a ação se tornou pública, nos apoiaram incondicionalmente. Este suporte está sendo fundamental para que consigamos enfrentar este momento delicado com coragem.
Católicas Pelo Direito de Decidir