… E o Brasil se prepara para a Jornada Mundial da Juventude
Por Vanildes Gonçalves dos Santos
No dia 12 de agosto comemora-se o Dia Internacional da Juventude, instituído pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1999, com o objetivo de dar uma atenção especial a esses sujeitos e suas realidades no processo de pensar as estratégias de desenvolvimento dos países. No Brasil, embora as pesquisas revelem que os jovens estão em ritmo de diminuição, eles são ainda em grande numero, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) mais de 37 milhões de brasileiros estão na faixa etária entre 14 e 24 anos, se considerarmos a orientação da Secretaria Nacional de Juventude que considera jovens no Brasil as pessoas que estão na idade entre 15 e 29 anos, esse número fica ainda mais elevado. Esse contingente de pessoas são na verdade um mosaico, marcado pela diversidade de cores, realidades sociais, gênero, idade… E entre as cores que marcam esse mosaico está a religião, que também apesar da pesquisa realizada no censo de 2010, ter revelado diminuição das pessoas mais jovens na participação religiosa, ainda contam um numero significativo.
Nas proximidades das comemorações desse Dia Internacional da Juventude queremos aqui fazer uma breve reflexão sobre um dos grandes eventos que o Brasil se prepara para realizar nos próximos anos, com destaque para a Jornada Mundial da Juventude – JMJ, um projeto da Igreja Católica Apostólica Romana que foi idealizado pelo papa João Paulo II e que tem continuidade com o seu sucessor o papa Beto XVI. A 27ª JMJ está prevista para acontecer de 23 a 28 de julho, no Rio de Janeiro e pretende ser a maior já vista, uma vez que será realizada num dos ambientes mais católicos do mundo. No histórico das jornadas, encontramos explicitado que o seu objetivo é ser um espaço de encontro da juventude católica de todo o mundo para dar a conhecer a mensagem de Cristo. Em preparação para a JMJ, estão sendo realizadas várias dioceses do Brasil o “Bote Fé”, que é o momento de peregrinação da cruz da JMJ e o ícone de Maria com procissões, missas, carreatas, shows com padres cantores e bandas católicas, entre outros tem marcado o Bote Fé, que tem o objetivo de divulgar a JMJ. As Pré-Jornadas que no Brasil recebem o nome de Semana Missionária acontece na semana que antecede o grande evento no Rio de Janeiro, onde os/as jovens da igreja católica serão acolhidos/as para a jornada.
Os grandes eventos de massa tem sido uma estratégia da Igreja Católica no campo de disputa de fiéis, próprio de um tempo em que a pluralidade religiosa é uma realidade e, embora ainda seja a religião majoritária no Brasil, as pesquisas tem demonstrado a sua diminuição. Além disso, frente a um processo de fortalecimento de uma sociedade democrática e de um estado laico onde diversos grupos, principalmente os chamados de minorias tem conseguido através de seus processos de organização e mobilizações dar uma maior visibilidade às suas demandas e ver suas pautas sendo aprovadas e garantidas pela lei como, por exemplo, os casos dos homossexuais que recentemente tiveram a aprovação da união estável, onde os direitos antes negados a essa parte da população como o direito de herança estão garantidos e o aborto em caso de anencefalia, uma luta antiga das mulheres na reivindicação de decidir sobre seu próprio corpo e no caso de se descobrirem grávidas de feto com anencefalia poder interromper a gravidez, sem que sejam criminalizadas, são fatos que tem mexido nas bases de uma sociedade conservadora marcada por critérios e moral religiosa. Isso faz com que as igrejas e no caso da Igreja Católica (a majoritária) se sinta ameaçada e diante disso articule estratégias com o objetivo de fortalecer suas ideias e argumentos que sempre estiveram marcados por abordagens e práticas patriarcais. O que podemos observar fortemente no projeto JMJ, que tem um foco na instituição e na sua estrutura, uma centralidade na figura do papa, o patriarca, “o sucessor de Pedro” e em todos os aparatos estruturantes de uma velha trajetória que sempre teve e continua tendo nos seus espaços de poder os homens. O programa da jornada reflete muito bem isso, quando prioriza adorações, missas, o estudo do catecismo da igreja, a fala do papa para os jovens, é o poder da igreja representado pelos homens no centro das atenções.
Esse modelo diverge do de uma igreja discípula, atenta aos pequenos e às realidade em que vivem a maioria dos/as jovens no Brasil, na América Latina e nos demais países, principalmente os mais pobres. O mapa da Violência 2012 de novo traz dados assustadores sobre a violência que afetam dos jovens e que estão ceifando suas vidas, o extermínio de jovens pobres e negros é uma realidade cruel no nosso país, a violência sexual contra adolescentes e jovens é algo que assola a vida de muitas meninas e também de meninos, a criminalização do aborto joga nos túmulos anualmente centenas de adolescentes e jovens, o trabalho análogo ao escravo no Brasil atinge em grande parte os/as adolescentes e jovens, colocando sua vida em risco, o suicídio está entre os tipos de morte que mais acontece entre os jovens, atingindo de forma peculiar a juventude indígena; os casos de jovens que são agredidos por serem homossexuais têm aumentado, a violência policial é uma constante esses assuntos da vida real da juventude não estão e não serão considerados na programação da JMJ. O que nos faz perguntar pela real intenção que a Igreja Católica tem quando pensa um evento desses com a juventude. Que diferença fará? A quem salvará?
Existem jovens que estão se mobilizando para participar da JMJ de forma diferente, porque compreendem que esse espaço poderia ser algo voltado para a vida das juventudes e suas necessidades. Abrindo brechas, tem participado dos eventos de preparação – “Bote fé”, realizando Rodas de Conversas, sobre as realidades da Juventude – discutindo e divulgando a Campanha Contra o Extermínio de Jovens, como é o caso da Pastoral da Juventude – PJ. Muitos/as desses jovens da PJ vão para a JMJ com a intenção de em meio ao grande evento da “Juventude do papa”, fazer ecoar os gritos das juventudes empobrecidas e a sua esperança de que a Igreja se coloque numa atitude fiel a Jesus e seja de verdade discípula do mestre que foi reconhecido pelos pequenos/as do seu tempo como o bom pastor atento à vida e a realidade da maioria da juventude para que os/as jovens desse país e de toda a América Latina tenham mais vida e vida em abundância.
* Vanildes Gonçalves dos Santos é Multiplicadora de Por Católicas pelo Direito de Decidir.