Católicas pelo Direito de Decidir vem a público manifestar sua surpresa e indignação frente ao recuo do Governo Federal em relação a posições tomadas anteriormente no III PNDH, resultado de ampla discussão realizada por instâncias governamentais com a sociedade brasileira. Um governo que é respeitado no cenário internacional como democrático e defensor dos DH, dobra-se à pressão política da hierarquia católica, sobrepondo interesses eleitorais à vida das mulheres e à dignidade de pessoas homossexuais.
O III PNDH corajosamente abordou questões complexas que há muito tempo deveriam ser enfrentadas, tais como a autonomia das mulheres para tomar decisões sobre a sua vida reprodutiva, o casamento homossexual e a adoção por casais homoafetivos, bem como as graves questões relativas à distribuição da terra e ao direito de estabelecer a memória e a verdade sobre o período da ditadura militar. O Programa, fiel à separação Igreja-Estado, também evidenciou a inadequação de que símbolos religiosos sejam ostentados em estabelecimentos públicos da União. Não é de menor importância que tais questões ganhem o reconhecimento do Governo depois de ouvir a sociedade brasileira organizada.
Católicas pelo Direito de Decidir que, como parte do povo de Deus, integra a Igreja e está em sintonia com a maioria das mulheres católicas brasileiras, não se identifica com as críticas da CNBB ao III PNDH, além de considerar desrespeitosa e inadequada a identificação do Presidente da República à figura bíblica de um homicida (Herodes).
O Estado, numa sociedade realmente democrática, deve ser laico e não pode se pautar pelas exigências e pressões políticas de nenhuma religião, nem mesmo da religião majoritária. O governo brasileiro, que tem o dever de cumprir acordos internacionais dos quais é signatário (Conferências ONU, OEA e CEDAW), sucumbiu de forma vergonhosa à pressão da CNBB e vai, segundo declarações do Ministro dos Direitos Humanos, retirar do texto final as referências ao aborto como um direito das mulheres.
Católicas pelo Direito de Decidir repudia tanto o intervencionismo autoritário da hierarquia da Igreja, quanto a subserviência do Governo Federal, que visando às eleições, joga no lixo o processo de debate público realizado amplamente com a sociedade brasileira para chegar ao texto do PNDH lançado em dezembro de 2009.
Denunciamos que, mais uma vez, são os direitos das mulheres e de pessoas homossexuais que entram como moeda de troca num contexto de jogo político de forças em que toda a sociedade brasileira perde. Em consonância com inúmeros outros setores da sociedade civil, vimos a público cobrar coerência e consistência do Presidente Lula, do Ministro Paulo Vanucchi e demais setores do governo envolvidos nesse retrocesso frustrante e indigno. Chega de defender o princípio abstrato da vida ao preço da morte de milhares de mulheres.