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Versos contra a lesbofobia: a voz e a luta de cinco poetas lésbicas brasileiras — Católicas pelo Direito de Decidir

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Versos contra a lesbofobia: a voz e a luta de cinco poetas lésbicas brasileiras

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Na semana em que se comemora o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29 de agosto), Católicas pelo Direito de Decidir conversou com cinco poetas lésbicas brasileiras que utilizam a literatura como forma de tecer narrativas, visibilizar pautas e combater as opressões heteronormativas. Confira:

VICTÓRIA SALES:

De São Paulo, Victória Sales tem 24 anos e, além de poeta, é fotógrafa e atriz. Recentemente, produziu o livro “Um Jazz Pra Duas” com poesias de amor entre mulheres.

“De uma forma ou de outra eu sempre falei [das questões lésbicas], mas escrever sobre foi só quando eu comecei a falar de afetividade, faz mais ou menos dois anos e meio, quando eu namorei pela primeira vez. Minha escrita está muito ligada ao que sinto e vivo, muitas das minhas poesias tem inspirações reais, então falar sobre afetividade entre mulheres é uma coisa recorrente na minha escrita.

A importância dessa representatividade está em mostrar possibilidades para outras pessoas e mostrar a pluralidade da mulher lésbica. Cada uma de nós é diferente, tem uma escrita particular, temas de maior ou menor afinidade. Eu, por exemplo: minhas poesias são sobre amor, pois atualmente minha militância enquanto mulher negra lésbica é pelo afeto.

A poesia me deu um novo norte na vida, me possibilitou encontros lindos que me fizeram quem sou. Isso aconteceu pois, além de ler e escrever poesia, fui viver e ser poesia, nos slams e saraus. Hoje eu acho que o poder de transformação da palavra tá no olho no olho.”

.amor de ori.

ela nasceu cacto
eu nasci balão
ela é filha do vento que me move
eu da água que a rega
seu corpo é poesia em braile
para o meu cego amor .
teu corpo de romance,
possui trilha sonora.
ela é a peça teatral que
minha alma almeja encenar.
com ela me refaço em gozo literário
e poesia em preto e branco.
com ela me faz inteira e metade,
cruel saudade de navegar em teus olhos-mar.
vontade-saudade de lançar minha nau
em teu corpo de tormenta,
mas sei que marinheira não aguentaria
a tormenta que o teu peito no meu faria.
ela é água da chuva que alimenta
o riacho do meu peito.
dona de um sorriso que me deixa sem jeito,
de um olhar que me enlaça por inteira,
do riso que faz sorrir meu peito,
das mãos que tocam meu corpo-ritmo.
ela mundo, eu calmaria,
ela é vento e romance,
eu sou água e poesia.
quem diria, ela inverteu o itã


MARIANA AMARAL DE QUEIROZ

Natural de Cuiabá (MT), Mariana Amaral de Queiroz tem 31 anos e atualmente reside em Florianópolis (SC). É poeta, feminista interseccional, mãe e psicóloga/psicanalista.

“Me relaciono com mulheres desde os 18 anos, mas me identifico como lésbica há pouco tempo. Nessa trajetória como poeta escrevia sobre a ‘temática’, mas sem estar nessa posição. Há um processo por vezes não muito simples na constituição das nossas identidades, assim penso que, de uma forma ou de outra, isso aparece na escrita há algum tempo, mas acho que é quando passo a me colocar como uma mulher lésbica que, de alguma forma, construo esse lugar.

Quando falamos, disputamos e construímos políticas de representatividade estamos – a meu ver – buscando possibilidades para de fato existir no mundo e construir outras formas de nos organizarmos socialmente. Acredito que a visibilidade lésbica possibilita que nossas existências sejam reconhecidas e a partir disso um tanto de outras questões sejam repensadas. Nesse sentido, quando penso em representatividade lésbica acho fundamental considerar que há inúmeras formas de se viver a lesbianidade e que precisam estar colocadas nas nossas políticas: lesbianidades negras, lesbianidades trans, maternidades lésbicas, lesbianidades periféricas, lésbicas no rap, lésbicas professoras, lésbicas advogadas, enfim… uma infinidade de possibilidades de existência. Na literatura não é diferente: de alguma forma os escritos dizem muito para além de quem escreve – mas sobre um tempo que se vive. Nossa literatura é marcadamente heterossexual, patriarcal, cisgênera, branca. A gente pleitear esses lugares, tentar apresentar outros modos de existir, é tencionar o lugar social que a lesbofobia nos coloca: do desvio, da patologia, do erro, da mulher ‘mal comida’, daquela que falha com o destino da natureza. Nesse sentido, acho que a representatividade lésbica na literatura não é importante só para termos essa experiência de se reconhecer, mas para todas as pessoas. São formas de destruir os armários que querem nos enfiar.

A literatura não é algo em si, depende do seu uso. Inclusive ela pode e é usada para manutenção de várias estruturas de poder da nossa sociedade. Acho que a literatura pauta muita coisa. Em uma sociedade excludente como a nossa, já começa por quem pode e não pode fazer literatura, o que é e o que não é literatura. Os movimentos de sarau e slams pelo Brasil são incríveis porque pautam isso, além de colocarem a questão da ocupação do espaço público. Tem também toda a questão da produção, da edição e publicação – e tem muitas construções potentes nesse sentido que buscam democratizar a literatura, inclusive no nível do modo de produção. E a dimensão do conteúdo: realmente não acredito em literatura neutra. Não que passe por se posicionar politicamente de forma explícita. A heterossexualidade, o amor heterossexual, por exemplo, é difundido como saudável, natural, divino de forma extremamente implícita – da ciência à piada. Então quando falamos, por exemplo, em visibilidade lésbica na literatura, que isso esteja nos livros infantis, nos poemas de amor, nas ficções, quando apontamos que existimos há muitos anos e não somos uma ‘moda’. Nas expressões artísticas, na política, nas representações familiares, não aparecemos, nos negam a todo momento, estamos trazendo à tona uma questão política, de poder. Abrimos caminhos para uma transformação social quando politizamos o que parece óbvio e colocamos em questão o poder.”

[palavra proibida]

há um grande perigo
– há muito maldito –
apontado por pastores
generais
professoras
mães e
pais
:
o amor
entre mulheres

há um grande perigo
em palavras que começam
com “L”

um destino assombroso
um desejo em erro
um desvio dos trilhos
o risco de morte

como ousam
se amar
estas mulheres?

há um perigo antigo
que vive
no sexo
“daquelas” mulheres
:
dedos eréteis
seios ardentes
línguas vibrantes
quadris entre as coxas
todo o corpo
– por tanto negado –
sendo molhado

há um perigo
já muito mal visto:
é preciso
calá-lo
dopá-lo
insivibilizá-lo
algemas
livros de medicina
psicologias
missas
correções no fundo
do ventre

é preciso amordaçar
o amor destas mulheres

há um perigo muito antigo
o que será então?
imagina que
imagina se
olha ali
vejam elas
que horror
mãos entrelaçadas
calças mini saias
solteiras e casadas
mães e concubinas

que horror!
que horror!
que horror!

mulheres senhoras
jovens meninas

há um perigo presente
em vozes e desejos
persistentes
armários explodidos
com as pontas dos dedos

entre sexos
e cotidianos
mulheres amantes
ácidas serpentes
corroendo as correntes
línguas libertinas lésbicas libertárias
as palavras proibidas
são as mais necessárias.


MAYANA VIEIRA

Mulher negra, lésbica e periférica, Mayana Vieira é moradora do Grajaú, extremo sul da cidade de São Paulo. Além de poeta, Mayana é estudante de Letras, produtora e agente cultural. No segundo semestre de 2017, lançará o livro “Motumbá”, a ser impresso pelo projeto Sarau das Minas.

“A minha condição de mulher negra lésbica e periférica estão presentes na minha poesia, logo eu escrevo sobre muitas coisas, mas o recorte lésbica-erótica começou a aparecer com as minhas descobertas sexuais, no meio da adolescência.

Lésbicas existem e resistem em muitos lugares. Quando me assumo enquanto escritora lésbica, me reafirmo no mundo. Não me rotulo para ficar no específico, dou nome para mostrar que existo, que estou aqui e acho que nisso está o valor. Eu diria da visibilidade, e não da representatividade.

Acredito que a literatura salva quem a vomita, quem a escreve, quem a grita. A literatura toca. Tocar é um passo para transformar.”

Libido

Tudo começa na boca, menina
E espalha em meu corpo esse desejo sem controle
Rouba-me a razão
E me entrega ao outro lado,
Os corpos despidos em confronto
É a minha coxa
A tua coxa
As pernas entrelaçadas e o ofegar da respiração!
Esses movimentos circulares de dedos molham-me o sexo, menina
É esse vai e vem…
Vem e vai…
Entra e sai…
E tudo termina na boca, menina.


BÁRBARA ESMENIA

De São Paulo, Bárbara Esmenia é poeta e praticante de Teatro das Oprimidas. Ao lado de Tatiana Nascimento, é idealizadora da padê editorial, editora de livros artesanais voltada à publicação de escritoras fora dos circuitos literários hegemônicos.

“[Comecei a escrever sobre questões lésbicas] de modo mais engajado e explícito mais a partir do ano passado. Antes a temática fazia parte enquanto direcionamento de desejo, de amor, paixão. Agora desde ano passado a partir de se pensar sobre enquanto produção poética mesmo.

A representatividade lésbica é importante em todos os lugares. A poesia, sendo arte, atua no campo do simbólico, no campo de construção de narrativas outras, em combate às narrativas colonialistas e heteronormativas que nos golpeiam a todo tempo em diversos meios de comunicação.

A literatura é potência de transformação na medida em que tece narrativas, conta trajetórias, historiciza personagens – sejam elas inventadas ou não. A literatura atiça o imaginário apresentando outras vidas possíveis, existentes.”

Abaixo, assista a poesia de Bárbara Esmenia:


TATIANA NASCIMENTO

Do Distrito Federal, Tatiana Nascimento é “palavreira”: poeta, compositora, cantora e cineasta. Ao lado de Bárbara Esmenia, fundou a padê editorial, que publica livros artesanais de autoras fora dos grandes circuitos literários.

“Comecei a escrever desde uma mirada sapatão quando comecei a viver experiências lésbicas, lá pelos 28-29 anos (meu retorno de saturno foi abandonar a heterossexualidade!). Das escritas públicas que pratico, a poesia é a mais subjetiva, então acaba sendo o gênero mais acolhedor. Mas menos como ‘tema’; tenho poucos poemas que tematizam a lesbiandade, e mais como expressão de mim: porque sou lésbica e porque sou poeta. Mas compartilho com a Gloria Anzaldua (outra lésbica, poeta) a ideia de que tudo que uma escritora lésbica escreve é de certa maneira lesbiano, não tem que ter ali a palavra ‘fancha’, ‘roçona’, ‘eu e minha namorada’, ‘tribadismo’, é mais um jeito de olhar o mundo a partir de como se está no mundo, mesmo. E assumindo esse lugar que se ocupa, de que lugar se fala; acho que isso tange a questão da representatividade.

Veja, eu não acredito que outra pessoa pode me representar, falar por mim (muito menos dirigentes políticos, e acho que esse colapso das democracias nas Américas está apontando isso com muita nitidez); nem que eu possa representar outra pessoa, o ponto de vista dela. Então acredito nessa força da literatura lésbica, assim como da literatura negra (e sendo uma pessoa negra ambas questões são inseparáveis pra mim), de anunciar mundos de sujeitos historicamente subalternizados, invisibilizados, desde nossos próprios pontos de vista. Quanto mais escrevermos, quanto mais formos produzindo, mais legítimo e mais ‘representativo’ será, e aí boto fé que a literatura vai deixar cada vez mais de ser esse brinquedo esteta de elites brancas cisheternormativas burguesas pra ser um instrumento de expressão de vozes dissonantes que, no se expressarem, desmontam estruturas hegemônicas de mundo/de arte, criam mundos novos (ou só repetem né?).

A palavra cria mundos, não só os reproduz. Quanto mais sapatão preta estiver produzindo novas palavras, imagens e tramas para renovar os imaginários das pessoas, mais rápido a gente muda o mundo. E assim, mudando nossas vidas, sendo protagonistas de nossas próprias narrativas. Axé!”

Abaixo, assista a poesia de Tatiana Nascimento:

Conheça mais o trabalho das poetas:

Também fizemos uma seleção de alguns eventos em comemoração ao Dia da Visibilidade Lésbica que acontecerão nos próximos dias em São Paulo. Confira: